domingo, 24 de janeiro de 2010

Agora, ela fitava o infinito.Com os olhos vermelhos e ardidos, ela via um mundo inexistente.No horizonte sem fim, ela se perdia, meio que procurando um fim em tudo.Espremida na varanda minúscula, ela via a sua pequenenisse perante ao invencível infinito.Em seus dedos, apertados, o cigarro teimava a queimar cada vez mais rápido.Ela ria muito, como se sentisse música dentro de si.Apesar de toda a dor e todo o medo, ela dançava lá no fundo.Seu coração esmagado não mentia.Ela era feliz.
Tão feliz, que duvidava que era possível.Quem olhava lá em baixo, teria a certeza de que fumava escondida.As unhas vermelhas, poderiam a tornar vulgar, mas só a tornava mais pura e enigmática.Vestida com o mini-shorts, biquíni e os cabelos presos, exprimida num varanda minúscula, só podia fumar escondida.

Ela fazia pose.Pose de fumante, pose de quem não era.Pose de alguém segura.Deve ser por isso que tinha as unhas vermelhas.Fingir não ser.Não ser, fingir.Seu corpo era tomado pelo desejo do proibido.Seu corpo era tomado por pessoas que não queria que o tomassem.Uma lágrima espessa escorreu pelo seu rosto e outro cigarro foi acendido, no mesmo segundo.Tirou lentamente o cigarro da boca e passou a língua pela lágrima escorrida.O sal da lágrima fazia sua boca arder, queimar.E a fumaça ardia em seu seco nariz, toda vez que tragava.Fazia tempo que não metia um desses na boca.Por um segundo sentiu nojo de si.Tanto nojo, que adorou isto!Riu da patética idéia de nunca ter sentido tanto nojo dela mesma. Riu de nunca ter se aceitado do jeito que era. Riu e ria. O vento teimava em bater forte em seus cabelos, que teimavam em ficar presos. A cinza do cigarro caiu sob seu pé, e ela sentiu a faísca queimando-lhe aos poucos.

A cidade estava muda. Só o vento que soprava forte, fazia algum ruído ali. A iluminação da cidade era linda. Toda meio alaranjada, no meio da escuridão. O céu não tinha uma estrela sequer, mas a lua cheia brilhava timidamente no céu escuro. Apagou o cigarro e jogou a gimba no maço vazio. Puxou rapidamente o Clorets do bolso justo do shorts jeans. Soltou os cabelos. Mascou o chiclete com a boca entreaberta, vulgarmente. Se sentou na pequena varanda, onde suas compridas e finas pernas nem cabiam direito. Se sentou e lamentou por não ter outro cigarro. Se tivesse, ela fumava o maço inteiro naqueles 10 minutos que tinha. Mas se contentou com o Clorets, que fazia sua boca arder, ácida. Sua língua começara a criar “bolinhas”, como que rejeitando. Fazia realmente muito tempo que não fumava... Se levantou rapidamente e se sentiu tão zonza que lhe deu a impressão de que iria cair, do sétimo andar. Era meio poético, até: “Mulher de unhas vermelhas se joga do sétimo andar e não deixa bilhete na cozinha.” Com certeza achariam que tinha sido suicídio. Como uma moça dessas, tão confusa e indigna, cairia por causa de uma simples tonteira?Perderia a poesia.

Tonteira não era poético, nem bonito. Assim como morrer de gripe. Poético é morrer estatelado no chão de piso frio do banheiro, poético é se matar sorrindo, poético é dar a vida por outro, poético era morrer com um maço de cigarros vazio nas mãos. Abriu o maço e lá jogou o chiclete. Colocou outro na boca, só para ter o prazer de morder a casquinha dura, só para sentir o gosto do novo. E sorriu. Um sorriso meio mudo, muito sem sentido. Mas era puro. Ela riu de novo, riu da sua babaquice. Coçou o nariz e sentiu o forte cheiro de cigarros na sua mão. Colocou os braços perto do nariz, para se certificar que lá, não cheirava. Não mesmo. Riu de sua imprudência e vulgaridade. Seria vulgar, ou pura demais?Ou insegura?Ou tímida?Sim, era muito tímida. Tinha medo de si, por isso se escondia na casca. Uma casca crocante, como a do chiclete. Colocou os chinelos no pé, meio desajeitada, abriu a porta de vidro. O quarto estava escuro. Tateou em cima da cama, procurando sua blusa. A vestiu. Foi até o grande espelho e sorriu para ele, conseguia para ver o branco dos dentes no reflexo da escuridão. Foi até o banheiro. Acendeu a luz rapidamente, fazendo os seus olhos arderem tanto, que se sentiu confortável com isto. Cuspiu o chiclete no lixo, ensaboou as mãos, escovou os dentes. Saiu caminhando pela casa, com os chinelos fazendo bastante barulho. Jogou o maço vazio dentro do armário, dentro da caixinha cor-de-rosa, com uma borboleta. Colocou um caderno em cima da caixa, fechou a porta do armário com brutalidade e foi até a cozinha, passar o café. Sorriu quando viu a maçaneta da porta retorcer, bem a sua frente, no mesmo minuto que se perguntou quantas colheres de pó colocaria. O homem robusto entrou pela cozinha, ela o olhou e ele disse: “Duas colheres e meia.” Ela dançou dentro de si, quando o viu ler seus pensamentos. Ele se aproximou, lhe deu um beijo no pescoço e adentrou a casa, com passos tímidos de quem não sabia para onde iria. Ela gargalhou por dentro e pensou “É tão ridículo,eu, com 7 anos de casada, ainda ter que me apertar em uma varanda imunda, para fumar um cigarro...”E ele apareceu na cozinha, sorrindo e dizendo: “Você ainda é uma menina, mesmo.”E aquilo não mais a incomodou, como em todos os outros dias de sua vida.

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