quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Era mais uma daquelas cenas típicas. Rua, sol, pessoas apressadas, atentas, preocupadas, sérias. Era só mais um dia daqueles insuportáveis, solitários e desegradáveis. A cidade era a tristeza e o caos resumidos. Era dor em cada esquina, era medo consumido e cospido. E era aquela a cidade maravilhosa, com um ônibus em chamas, lindo e perigoso. Queimava e todos pareciam hipnotizados com aquilo. O fogo parecia consumir e as pessoas pareciam fascinadas. Talvez fosse rotina, talvez fosse normal, mas muito provavelmente não. Porém nenhuma pessoa ali sabia mais como lidar com todas as situações. As explicações não existiam, a dor no peito de cada um era inexplicável. "Como deixamos chegar aonde chegamos?" Cintilava na cabeça de cada um que passava pela rua, horrorizado.
Era uma bomba, uma bomba jogada no meio da cidade que permanecia muda, por mais barulhenta que fosse. Uma cidade mistério, que se escondia atrás de algo que também se destruía, a beleza. O ódio que movia aquele fogo, que ateava toda a dor, queimava todos os corações mudos e medrosos.
E depois, os helicópteros, a fumaça, homens de preto, homens de todos os tipos, tentando mostrar que controlam, que podem fazer muito por todos. E o caos permanecia ali, talvez se alastrando. Na janela, uma senhora reclamava que não podia ver a novela com o barulho do helicóptero, que movia a multidão de curiosos em suas casas, no noticiário. Não se passavam mais carros, a rua estava fechada por conta de tudo aquilo que se instalara em poucos minutos. E crianças que antes brincavam na praça da esquina, agora olhavam curiosas e com os olhos inchados de susto ao "espetáculo". E ninguém corria, ninguém gritava. Era apenas um ônibus, queimando no meio da rua, com milhões e milhões de pessoas a sua volta, paralisadas, mudas, cansadas de tantas justificativas, de tantos sustos, tantas confusões.
E no peito de cada brasileiro, de cada carioca, o que soava? Era a beleza? Era o futebol, as mulheres, o samba? Não. Era o fogo poético, espetacular, calado, ressoante. Era o terror, era o medo e talvez até, o contentamento.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

-Monje Panchen, gostaria de conversar com você...
-O que houve, pequena?
-Sabe o que é? Eu não sei mais até que ponto me auto-aprecio. Não que eu não me ame, mas eu já tenho a capacidade de amar muito mais a outro.
Ele abre um largo sorriso.
-É, mas é alguém que você gosta muito, não é?
-Muito mesmo.
-Então, agora você precisa praticar isso, com todos os outros seres.
-É que eu já me sinto tão plenamente completa e satisfeita amando esta pessoa mais do que a mim mesma... Parece que não preciso mais amar a ninguém, que atingi a plena felicidade assim.
-Tudo que causa felicidade, causa dor.
-Eu sei disso. Sei bem disso. A dor que sinto todos os dias. De qualquer forma, consigo tranformá-la em virtudes, ela que me alimenta, mesmo sendo dor.
-E se realmente acabar? Eu digo, a relação.
-Sim, sentirei uma dor na qual não sei se suportaria.
-É o problema do Samsara (o mundo mundano, cheio de sofrimentos e ciclos contaminados). Por isso você deve querer libertar-se e acumular virtudes, amando a quem não aprecias. E assim, pode se livrar da dor.
-De qualquer jeito, estou em um bom caminho, né? E sou muito abençoada por ter conseguido amar alguém mais que a mim mesma.
-Com certeza. Você já acumulou muitas virtudes para isso, sem dúvida.
-Então, não devo iniciar uma prática de renúncia, perante a esse amor, certo? Pois ele me faz feliz... Só estando feliz consigo beneficiar aos outros...
-A beneficiar aos outros e a esse amor que te consome. Não renuncies. Apenas saiba sobre a dor.
-Pode acreditar, eu sei bem.


Esses diálogos do dia-a-dia que parecem mesmo literários...