sábado, 15 de agosto de 2009

HELP

Era uma noite escura, a iluminação era alaranjada, a rua estava nua e solitária. O corpo era sólido, cru. Não tinha sentimento, não tinha olhar. Era um corpo nu sozinho na escada. Tinha os olhos voltados para o chão, as mãos apoiadas no colo. Lágrimas vazias escorriam, porém não soluçava, não se mexia. Parecia plástico, porcelana, material inflável. Passou quinze minutos ali, sem mexer uma parte sequer. Parecia morto, porém sólido. As pernas estavam todas a mostra por uma saia cor de rosa que apertava na barriga. Vestia também, uma blusa curta, com os seios quase todos a mostra. Não sorria, não mostrava o rosto. Tinha um salto alto de acrílico que parecia pregado ao chão. Os cabelos cobrindo o rosto inteiro, inseguro. As unhas saltando dos dedos carnudos, vermelhas. Alguém apareceu, lá no alto da escada, quieto e traiçoeiro. Gritou-a pelo nome, porém não se entendia direito qual. Virou-se rápido, medrosa. Correu escada acima, equilibrando-se desengonçadamente no salto 15. Deu-lhe um golpe rápido, com um revólver que tinha na mão. Ela ameaçou rolar escada escura abaixo, porém se segurou. Ouviam-se gritos, mas nada alarmava ninguém. Não se sabia direito quantas mulheres não morreram por ali, por aquele mesmo homem, com aquele mesmo motivo. Logo depois de sofrer o golpe, mudou o rumo e desceu rapidamente, parecia fugir de algo que não tinha vontade, parecia correr de algo abstrato e que estava cansada de correr em vão, estava cansada de vagar sem rumo.

Correu, correu por muito tempo. Pareceu voar no tempo, as coisas pareciam erradas demais e ela não conseguia olhar para frente. Viu meninos a cheirar cola, viu mais e mais protitutas. Viu carros passando rápidos, luzes, sombras, medos, sentimentos jogados no chão. Um mendigo abordava pessoas na rua, dizia ser jogador de futebol no exterior. Se deparou com a grande boate, cheias de pernas coloridas. Bem no meio, um letreiro bem grande: HELP. Haviam milhões de meninas cada vez mais novas ali. Haviam canastrões, ricos, gringos. Homens que lhe davam asco, a faziam chorar e chorar e chorar. Agora soluçava. O rosto vermelho da pancada, os olhos inchados. Atravessou a rua, foi pisar na areia. O corpo que parecia sólido, estava derrotado. Absolutamente derrotado. Despencou na areia como se fosse se unir a ela. Parecia liquido, a areia a absorveu.

Já era de manhã quando foi acordada. O rosto todo doído, o corpo mole. Estava um sol que lhe doía a pele. Sentou-se e olhou o mar. Tinha medo, cada vez mais medo, não tinha pra onde fugir, estava sem saídas. E olhar o mar lhe dava a sensação de estar mais presa, sem caminhos, sem soluções. Nada fez. As pessoas começaram a chegar na praia e ela resolveu sair. Olhou para a Help, agora apagada. Andava acabada, o rosto borrado, os olhares todos em cima dela. Ela tinha nojo das pessoas, cada vez mais. Tropeçou em uma pedra, os olhares continuavam em cima dela. E ela continuava a chorar, desgastando-se. Parou na praça, sentou no banco. Ficou lá, sentada, parada, com as mãos no colo. Fez-se sólida novamente. Os cabelos cobrindo a cara, a insegurança que ela passava. Milhões de pessoas passando por ela, carros, barulhos, olhares, emoções. A luzes começaram a apagar e ela ali, sólida. Chorando baixinho, sem soluços. Cada vez mais a noite, cada vez mais alaranjado, cada vez mais amedrontador. E ela ali, recomeçando o ciclo, como sempre. Para sempre.

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