domingo, 30 de novembro de 2014

Escrito em 10 de setembro de 2013

Outro dia, quando eu estava saindo de casa, segurei a porta para uma velinha entrar na portaria. Depois que fechei a porta o porteiro me disse: "Ela é empregada." Confusa, eu lhe respondi que era uma senhora. Passei uma hora no ônibus tentando entender aonde foi que o mundo errou para que as pessoas não fossem mais olhadas como pessoas e sim como suas funções. 

Naquele mesmo dia, ouvi a grande Rosa Maria Martelo falando sobre o neoliberalismo e sua capacidade de, através da linguagem, associar o indivíduo apenas a sua função social e tornar normal aquilo que é a maior atrocidade. Em poucas e não tão belas palavras: a criação do senso comum. Rosa (e como é lindo esse nome) falava da poesia, e como só ela é capaz de subjetivar o indivíduo, trazer a tona sua singularidade.

Naquela noite uma menina de rua passou a mão no meu rosto e eu, assustada, recuei. Respirei e pensei: "Ser humano, não função social" e magicamente meu olhar se voltou para a linda boneca encardida que ela trazia em seus braços. "Sua boneca é mesmo linda." Contei a história a um amigo e ele disse "É aí que eles enfiam a faca na sua cara."

Eu não dormi naquela noite. E certamente não dormirei hoje também. Porque hoje, proibiram as máscaras na rua, impediram pessoas de se manifestarem e tornarem-se sujeito. Hoje colocaram vidraças de bancos acima de seres humanos e novamente a função social se sobrepôs.

Além de tudo, vejo na novela termos como "coxinha" e "vândalo" se repetirem, como se esse vocabulário fosse natural ao nosso cotidiano há anos. E aí comecei a entender uma das muitas artimanhas do neoliberalismo para tornar grandes vitórias e lutas, senso comum.

Os olhos da menina de rua não saem da minha cabeça, assim como os olhos de todos os manifestantes que sofreram e sofrerão muito ainda com as atrocidade da lógica do poder. Para conseguir ficar em paz e seguir em frente, Rosa Maria Martelo também ecoa dentro de mim: POESIA É SOLIDARIEDADE.

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